- Por Roque Tomazeli
Vaca cega
Escrevi o artigo Vaca cega para contar a história da Lei 2095/2003 de Gramado, que dispõe sobre o cardápio em braille. No artigo, que foi publicado pelo Jornal Zero Hora (ZH) de Porto Alegre no dia 2 de maio de 2005, na página 13, abordo a questão da acessibilidade no turismo e a indiferença local com a legislação para os deficientes visuais. Há uma semana, quando entrevistei Marcelo Lechner da Silva, cego, bacharel em Direito de Gramado, prometi que disponibilizaria o artigo neste site para ele e outros interessados. Confira o artigo:
Vaca cega
Blindekuh é um restaurante localizado na cidade suíça de Zurique. O dono é um padre e, como ele, os demais 20 funcionários são cegos. O único que não é privado de visão no local é o cozinheiro. Totalmente no escuro, o restaurante é frequentado por turistas de várias partes do mundo atraídos pela fama do local. Conta a fonte ABKnet News que, segundo o proprietário do estabelecimento, a iniciativa faz parte de um projeto para criar empregos para deficientes visuais.
Uma reportagem de ZH, de 24 de junho de 2003, trata da questão do turismo inclusivo. Informa que no Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há cerca de 24 milhões de portadores de deficiência. Dessas, de acordo com uma avaliação do Ministério do Turismo, 8 milhões têm poder aquisitivo para comprar um pacote nacional ou uma passagem aérea.
No entanto, diz o dono de uma agência de turismo paulista entrevistado, a falta de adaptação nos estabelecimentos inibe a viagem desse público. E os proprietários dos estabelecimentos não promovem as adaptações porque acham que ninguém vai para lá.
Do total de deficiente anunciados pelo IBGE, a maioria pode ser composta de portadores de problemas visuais. Isso justifica a força do personagem Jatobá, interpretado pelo ator Marcos Frota na novela América. Cego, reclama por equipamentos especiais.
Em 2003, pesquisei o assunto no Instituto Benjamin Constant e na Riotur, no Rio de Janeiro, e no Centro Louis Braille, em Porto Alegre. Ciente e pensando nos cerca de 2 milhões de turistas que Gramado recebe anualmente, apresentei na Câmara de Vereadores um projeto dispondo sobre a adoção do cardápio em braille, como equipamento para os eventuais portadores de deficiência visual. Um cardápio por estabelecimento ligado à gastronomia ou hotelaria – custo de confecção mais simples de R$ 20 cada.
Outras legislações no país preveem a adoção do sistema braille a fim de facilitar a integração dos portadores de deficiência. Nas escolas, no acesso à leitura de livros didáticos, às produções culturais e nas embalagens de medicamentos, por exemplo. Quase dois anos depois da aprovação da lei em Gramado, restam críticas para o autor da proposta. De resto, investiguei e desconheço se algum estabelecimento adotou o cardápio em braille.
A tradução para Blindekuh é vaca cega.
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(A lei do cardápio em braille de Gramado é de minha autoria e foi aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal. O Ristorante Tarantino, o Hotel Villa Bella e uma das edições da Festa da Colônia são casos conhecidos que chegaram a adotar o cardápio. O artigo aqui transcrito conserva as informações e a redação de 2005.)